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A arte com causa de Ai Weiwei

Posted on dez 18, 2018 in Arte

No final de 2018, o Brasil teve o privilégio de receber a maior exposição individual do emblemático artista e defensor dos direitos humanos, o chinês Ai Weiwei. Depois da Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, a mostra do criador que já se tornou celebridade mundial segue para Brasília e Rio de Janeiro.

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Texto Andrea Tavares

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Ai Weiwei é muito mais do que o artista que colaborou com o grifado escritório de arquitetura dos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron na concepção do Estádio Nacional de Pequim para os Jogos Olímpicos de 2008, que ficou mundialmente conhecido como “o ninho do pássaro”.

Sua produção artística está intimamente ligada à questão humana. Ai mixa fortes referências autobiográficas a questões humanas – como diz o trecho de uma de suas frases estampada em um dos ambientes da exposição: “participar em uma sociedade não é uma escolha artística, é uma necessidade humana”. Daí para o ativismo e a defesa dos direitos humanos que custaram (e continuam custando) milhares de vidas, foi um passo.

Cofre de Lua (2008): a Oca tem cinco dos 180 cofres de madeira criados por Ai Weiwei, com aberturas circulares alinhadas de modo que as fases da lua podem ser observadas

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Questões humanas

Ai nasceu em 1957 e cresceu em um campo de trabalhos pesados no interior da China, já que seu pai, o poeta Ai Qing, caiu em desgraça com a implantação da ditadura comunista de Mao Tsé-Tung e, com isso, foi enviado com a família para se submeter a uma “reforma de pensamento”.

Em 1978, com 19 anos, ingressa na Academia de Cinema de Pequim para estudar animação e, no ano seguinte, torna-se membro-fundador do grupo Stars, primeiro movimento artístico que reage e se afasta das políticas estéticas do partido comunista. Vive de 1981 a 1993 nos Estados Unidos, onde estuda na University of California, em Berkeley, e depois na Parsons School of Design e na Arts Students League, ambas em Nova York. Nessa época, passa a ter Andy Warhol e Marcel Duchamp como fortes referências para seu trabalho.

Logo regressou à China, inicialmente para encontrar o pai doente (que morreu em 1996) e por lá se estabelece. Em 2001, funda seu estúdio de design e arquitetura, o Beijing Fake Cultural Development Ltd. O nome brinca com o termo em inglês “fake” (“falso”) e sua transliteração para o chinês, um homônimo para “fuck” (do inglês, “foda”). E, desde então, tem sido um produtor de obras de arte, projetos arquitetônicos, textos, documentários, clipes e até músicas, combatendo o sistema governamental de seu país e discutindo as questões humanas.

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Cidadão da internet

Em 2005, torna-se ativo digitalmente ao criar um blog em um portal chinês, encerrado quatro anos mais tarde pelo governo de seu país. Um dos estopins para o fechamento foi um episódio gerado com um terremoto de magnitude 8.0 que atingiu a província de Sichuan em maio de 2008. Entre os mais de 80 mil mortos, estavam 5.196 jovens soterrados nas escolas locais. Muitas construções resistiram aos severos tremores, mas os edifícios erguidos pelo governo, como as 7 mil salas de aula das escolas locais, vieram facilmente ao chão. Foram batizados de “prédios de tofu”, por conta da baixa qualidade das construções, deixando aparente uma forte evidência da corrupção generalizada nas administrações públicas.

Diante da falta de transparência do governo chinês sobre os estudantes mortos, Ai Weiwei lançou uma investigação popular em seu blog, recrutando voluntários, que bateram de porta em porta e conversaram com todas as famílias da região para compilar e coletar os nomes das vítimas. Esse foi o primeiro ato de direitos civis deflagrado pelo uso de mídias digitais na China.

Em abril de 2011, Ai foi levado no aeroporto de Beijing pela polícia secreta chinesa, que o manteve cativo em local não revelado por 81 dias. Sem acusações formais, foi liberado sob fiança para aguardar o julgamento e teve seu passaporte confiscado. Seguiu desafiando o autoritarismo do governo da China nos anos seguintes e em 2015 recebeu o prêmio Embaixador da Consciência da Anistia Internacional por seu trabalho em defesa dos direitos humanos. Finalmente, teve sua primeira exposição individual em território chinês e, em 22 de julho, teve seu passaporte restituído. Mudou-se para Berlim oito dias depois, onde vive e trabalha até hoje. Tornou-se professor na Universidade de Artes local.

A essa altura, já tinha se tornado celebridade mundial. Em 2016, um novo capítulo relacionado aos direitos humanos teve início na vida de Ai: ao visitar a ilha grega de Lesbos, testemunhou a chegada de barcos de refugiados, reuniu-se com os sobreviventes e, então, decidiu produzir um documentário sobre o assunto. O artista e sua equipe visitaram, ao longo de um ano, mais de 40 campos de refugiados em 23 países e entrevistaram mais de 600 refugiados, voluntários, políticos e “traficantes” de pessoas, resultando no longa Fluxo Humano, experimento visual sobre o maior deslocamento humano desde a Segunda Guerra Mundial, que estreou, no ano seguinte, no Festival Internacional de Cinema de Veneza.

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No Brasil, a raiz

Terra de Raízes (2018)

Além de obras célebres para a exposição brasileira, Ai Weiwei recebeu o convite de realizar novos trabalhos para a mostra, experimentando e “digerindo” a cultura local e estabelecendo colaborações com artesãos e artistas locais. Fez de Trancoso, no litoral baiano, a sua morada temporária e as centenárias raízes gigantes de pequis-vinagreiros encontradas desenterradas na região foram trabalhadas pelo artista com o apoio de carpinteiros chineses e brasileiros, dando origem a uma nova obra, a Terra de Raízes.

O curador Marcello Dantas falou sobre o nome da exposição: “Quando raízes – raízes antigas, mortas, de árvores que não existem mais – surgiram em nosso caminho, Weiwei disse que pelas raízes podemos descobrir como é uma árvore. A busca por seu significado desenterrou e inventou – de fato, inspirou – o título desta exposição: Raiz. Essas árvores são a evidência de uma conexão muito antiga com o solo, fonte de toda cultura. A prática de Ai Weiwei ao longo de sua carreira tem sido a de revelar raízes perdidas e evidências de culturas ameaçadas, primeiro na China, nos projetos sobre refugiados, e agora no Brasil. Reconectar-se às raízes e encontrar com o elo perdido nos permite reencontrar uma ancestralidade de que nos esquecemos, que parece perdido. Weiwei encontrou o objeto de sua busca no meio dessas raízes e um significado comum emergiu”.

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Os números de Raiz

  • 70 obras 
  • 500 toneladas é o peso de todos os trabalhos
  • 8 mil metros quadrados de área de exposição
  • 24 obras foram produzidas no Brasil em ateliês montados de São Paulo, Bahia e Ceará
  • 21 dias de montagem e 100 profissionais envolvidos
  • R$ 10 milhões foi o custo de produção da exposição

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Forever Bycicles

A exposição ofereceu um cartão de visitas e tanto para o público paulistano: com 9 metros de altura, a obra Forever Bicycles foi colocada na entrada do portão 3 do parque, o mais próximo da entrada da Oca. A instalação é composta por 1.254 réplicas de bicicletas, feitas de aço inoxidável cujo significado atribui-se à importância do veículo de duas rodas para a mobilidade na China.

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Lei da Viagem (Protótipo B) (2016)

Os refugiados que chegam à costa europeia tornaram-se mais uma questão de direitos humanos defendida por Ai Weiwei. Além da produção do documentário Fluxo Humano, Ai criou obras de arte relacionadas ao tema. Entre elas, Law of the Journey, três barcos infláveis de 60 metros de comprimento e 16 metros de altura com 51 figuras humanas feitas de PVC reforçado. O modelo exposto na Oca é o Protótipo B.

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Straight (2008 – 2012)

As escolas que vieram abaixo com o forte terremoto de Sichuan em 2008 e mataram mais de 5 mil crianças e jovens são a fonte desta obra de Ai Weiwei, exibida na íntegra pela primeira vez. São 164 toneladas de vergalhões recuperadas dos escombros das salas de aula, desentortados um a um.

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Sunflower Seeds (2010)

Que tal 37 milhões de sementes de girassol de porcelana confeccionadas artesanalmente uma a uma? Produzidas durante dois anos por cerca de 1,6 mil artesãs da cidade de Jingdezhen (região historicamente famosa por seus fornos e a produção de porcelana imperial), ocuparam com exclusividade o último andar da Oca.

Segundo o material da exposição, a obra amplia temas recorrentes da produção de Ai Weiwei nas duas últimas décadas, como a defesa dos direitos humanos, a autenticidade, o papel do indivíduo na sociedade na era da internet e o desaparecimento da história cultural e material chinesa. O trabalho também remete aos cartazes de propaganda da Revolução Cultural, que retratavam Mao Tsé-tung como o sol e a população como girassóis que se viram em sua direção.  

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